sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

LUTA DAS COMUNIDADES NEGRAS PELA REINTEGRAÇÃO DAS TERRAS

Dia 16/12/2.010  aconteceu a reintegração de posse de duas áreas, situadas dentro do território reconhecido como  quilombo, da Comunidade de  Cangume, Município de Itaóca, Estado de São Paulo.

A reintegração foi para cumprir a determinação da sentença prolatada na ação Nº 2.005.61.04.010697-3 - 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Sorocaba.

As áreas reintegradas foram: Toca da Onça com  40,777 hectares e Roça dos Boavas, com 89,138 hectares.

Quando as áreas foram reintegradas à Comunidade, assim falou o Sr. Jaime, presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombos de Cangume: “Hoje é um dia feliz para nós. Parecia que nunca ia chegar.  No ano que vem, vamos ter outro dia feliz, quando recuperarmos outras áreas que nos pertencem. Então faremos uma grande festa”.

UM POUCO DE HISTÓRIA

O historiador e antropólogo José Mauricio P. A. Arruti, assim descreveu a história de Cangume, no Relatório Técnico Cientifico da Comunidade, elaborado pelo ITESP e concluído em setembro de 2.003, que tomamos a liberdade de resumir:

“Até a década de 1960, Cangume ocupava um território de cerca de 1.300 ha. A Terra era livre e  o uso coletivo permitia que as 70 famílias vivessem da lavoura de milho, feijão, arroz, mandioca possuindo pequenas criações de porcos, cabras e galinhas. Faziam artesanatos de cipó, palha, taboa, taquara e barro, produzindo praticamente tudo de que necessitavam e recorrendo ao parco mercado regional para a compra de pouquíssimos gêneros, tais como o sal.

A extração de minério levou a abertura de estradas, provocando uma rápida valorização das terras da região. Com as estradas, chegam também os primeiros fazendeiros de gado começando a alterar o padrão local de pequenos apossamentos familiares.

E m 1968,  houve intervenção do Estado “regularizando” as terras: as posses dos moradores do Cangume, que eram trabalhadas de forma coletiva, com base na solidariedade entre famílias extensas que se revezavam sobre terras de uso comum, foram fragmentadas em cerca de 80 glebas individuais.

Esse fato, reproduzido por toda a região, deu origem a um feroz mercado de terras, do qual a população local, alheia à lógica de mercado e, em especial, à do mercado de terras, não tinha condições de avaliar as implicações. De forma apenas aparentemente paradoxal, a regularização das terras do Cangume foi o maior instrumento de sua expropriação territorial. Em um curtíssimo período de anos, todas as glebas individuais, por necessidade de sobrevivência dos moradores ou por forte pressão dos próprios fazendeiros já instalados, foram vendidas. Restaram apenas duas glebas familiares e uma que, por decisão dos próprios moradores, foi titulada (ainda que não registrada em cartório) “em comum”, conhecida como “patrimônio do Cangume” e responsável pela manutenção da comunidade como tal.

Sua população vive sobre uma terra comum, o “patrimônio do Cangume”, de apenas 37 ha, onde mantém minúsculas hortas cercadas e alguma criação solta, de porcos e cabras.

Em função das pouquíssimas terras, os moradores do Cangume trabalham como diaristas para os fazendeiros vizinhos, recebendo remuneração que chega a ser até 50% menor que a dos trabalhadores dos outros bairros. Essa é a manifestação mais concreta da discriminação que recai sobre o grupo, apesar do destaque que ele vem alcançando com o reconhecimento informal dos poderes municipais, de sua condição de remanescentes de quilombos.”

Luciana Bedeschi            
Maria Sueli Berlanga
Mary Michael Nolan

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